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EXTREMO CLIMÁTICO- “Aquecimento trará impactos ao agronegocio; MT será afetado”

Mudanças climáticas devem causar longos períodos de seca e ressecamento do solo, diz pesquisador

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Em meio a discussões constantes sobre os impactos do aquecimento global no meio ambiente, o Planeta presencia cada vez mais períodos extremos de calor, seca e incêndios que degradam a fauna e a flora. Efeitos que são sentidos também em Mato Grosso.

 

Especialista no assunto, o biólogo Gustavo Canale, PhD em Ecologia e Conservação pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, explica de que forma a desenfreada emissão de gases do efeito estufa pode impactar diretamente o ambiente do Estado e, consequentemente, sua maior fonte de riqueza: o agronegócio.

 

“Em médio e longo prazo, a gente vai sentir reflexo até na produção agrícola, porque a tendência é que a gente tenha muita perda de umidade no solo. E isso vai prejudicar a agricultura”, explica o biólogo, que é professor da UFMT no campus de Sinop.

 

Canale ainda alerta sobre as medidas que as autoridades governamentais precisam tomar desde agora para evitar um cenário catastrófico, na pior das hipóteses, em que povos podem ser obrigados a deixarem suas terras devido às mudanças climáticas.

 

Ele ainda fala sobre a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no meio ambiente e a participação de Mato Grosso na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP-26), na Escócia, que terminou neste final de semana.

 

Confira os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews – Quais têm sido as consequências do aquecimento global para a fauna e a flora mato-grossense? Corremos o risco de haver uma savanização da Floresta Amazônica?

 

O que temos visto é que nós podemos ter vários problemas, inclusive problemas do ponto de vista social, com grande migrações em massa de populações de regiões mais secas para outras e ai você tem uma série de conflitos, até mesmo o surgimento de potenciais grupos armados

Gustavo Canale – De forma geral, quando a gente pensa em mudanças climáticas e nessa crise que estamos vivendo, a gente sempre fala que um dos problemas maiores para esta região é a savanização da Amazônia. Esse termo é justamente a mudança de um ambiente que é mais florestal para um ambiente mais próximo ao que seria o Cerrado brasileiro.

 

Por que isso é tão especial aqui nessa região? Porque se pegarmos toda a Floresta Amazônica, cerca de 70% dessa floresta está no Brasil. Ela tem várias ecorregiões, é muito grande, não dá para a gente imaginar que é idêntica em toda sua extensão e essa parte aqui do norte do Estado é uma ecorregião da Amazônia que é muito específica.

 

Então, ela já é caracterizada por ser uma Amazônia com maior característica de variação de pluviosidade. Então, temos uma estação seca mais prolongada do que em outras regiões da Amazônia naturalmente, porque ela está justamente em transição com o Cerrado. Só que o que está acontecendo com essa crise climática, e que já estamos vivendo, é que estamos tendo secas mais prolongadas, temperaturas mais altas e isso gera mais incêndios florestais. E esse processo cria um grande impacto tanto para a flora quanto para a fauna.

 

MidiaNews- No pior cenário de aquecimento global, o que pode acontecer em Mato Grosso a curto, médico e longo prazos?

 

Gustavo Canale – O que a gente pode dizer é que se existe uma região mais sensível de toda a região Amazônica, é justamente essa região ao Norte de Mato Grosso. Então, vai haver o que já estamos observando, que é a seca mais prolongada e maior quantidade de incêndios florestais que saem do controle, justamente porque é uma região do Brasil que ainda tem muita derrubada de floresta para uso de agricultura e pecuária. E esses impactos já estão sendo sentidos, porque a gente já observa uma quantidade grande de incêndios florestais em função das secas prolongadas.

 

Em médio e longo prazo, a gente vai sentir reflexo até na produção agrícola, porque a tendência é que a gente tenha muita perda de umidade no solo. E isso vai prejudicar a agricultura. E haverá uma imprevisibilidade da chuva cada vez maior.

 

A gente vai ter ano que vai chover muito mais do que outros, ano com períodos muito longos de estiagem e isso vai ter um impacto a longo prazo. E isso tem que ser considerado a partir de agora, para pensarmos em estratégias para minimizar esses efeitos.

 

MidiaNews- O agronegócio é uma atividade que depende do clima. Quais são as consequências econômicas para Mato Grosso caso o aquecimento global não seja revertido?

 

Gustavo Canale – Ainda falando sobre mudanças climáticas, pelos impactos imediatos que a gente já está sentindo é a redução da quantidade de água subterrânea. Mato Grosso está entre os estados do Brasil que mais perdeu água subterrânea. Isso por conta tanto do uso da irrigação quanto pelo desmatamento. O que acontece é que você tem menos infiltração de água do solo quando as árvores são retiradas e isso causa essa redução. E aí tem um impacto imediato na agricultura.

 

No longo prazo, isso traz impactos, inclusive para a própria agroindústria, porque temos que lembrar que é um Estado que não só produz grãos em grande quantidade, mas também é um Estado que tem a intenção de aumentar a sua produção agroindustrial, de beneficiar esses produtos. Só que sem água existe uma dificuldade muito grande de instalar frigoríficos, porque não se consegue ter água para beneficiar a carne.

 

Então, você tem gado, tem pasto, mas não tem frigorifico para poder ser instalado. O próprio beneficiamento dos grãos, em algumas situações, precisa de água para que isso ocorra. Tudo isso acaba sendo um problema de longo prazo para o próprio desenvolvimento da agroindústria no Estado.

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Por isso, no curto prazo você tem o impacto na agricultura e na pecuária. E em médio e longo prazo, na agroindústria.

 

MidiaNews – Uma das consequências das mudanças climáticas são os eventos extremos de temperatura. A impressão que dá é que estes eventos extremos já acontecem em Mato Grosso…

 

Gustavo Canale – Não é só uma sensação. A gente percebe que temos tido recordes de anos mais quentes recentemente, de anos mais secos. Se não me engano em 2015 tivemos uma seca recorde na Amazônia e isso deve se repetir com mais frequência.

 

Acho que a gente está vendo retrocessos ambientais muito grandes, percebe-se um aumento no desmatamento da Amazônia. A própria ausência do presidente na COP-26 é algo que é sentido pelos outros líderes e isso passa um sinal que não é positivo.

Isso tudo faz com que a gente sinta que estamos vivendo esse extremo climático. E na região tropical, perto [da linha] do Equador, é onde a gente vai sentir muito mais rápido esses efeitos. Então, enquanto em outros lugares pode ser que esses efeitos demorem mais a ser sentidos, a gente sente imediatamente se as coisas continuarem como estão. Vamos sentir cada vez mais os efeitos da seca e do calor.

 

Há uma série de medidas que a gente pode tomar para minimizar esses efeitos. A própria arborização urbana diminui o calor em dias muito quentes, uma preparação das casas com materiais que sejam mais adequados a ambientes tropicais é uma coisa que a gente não pensa muito, mas pode ser pensado. Uma ventilação melhor para manter as casas mais frescas em períodos quentes, podem ser adaptações que a gente consegue por meio da tecnologia da engenharia civil.

 

A arborização também é uma coisa que precisa ser feita para manter a qualidade de vida das pessoas da cidade.

 

Agora para termos um conforto em todo Mato Grosso, a manutenção das florestas onde elas ainda existem é fundamental, porque o regime de chuva  não acontece só naquele local da cidade, é controlado pela presença da floresta em regiões bastante distantes.

 

MidiaNews – Ainda há tempo de revertermos a tendência de aquecimento global? O que é preciso fazer?

 

Gustavo Canale – Na COP-26, vários caminhos foram apontados. Se a gente pudesse numerar alguns deles seria diminuir a quantidade de emissões de gases do efeito estufa e, no caso do Brasil, especificamente, as emissões que o país é responsável são muito associadas à agropecuária, ao metano por parte do gado e ao gás carbônico por causa das queimadas das áreas que são abertas para o uso de agricultura. Então, diminuir essas emissões já seria algo fantástico.

 

Plantio e recuperação de áreas degradadas, porque as árvores são grandes responsáveis pela incorporação de carbono, sequestro de carbono atmosférico e isso faz com que você consiga retirar gás carbônico da atmosfera e são elas que fazem esse trabalho e, além disso, produzir chuvas.

 

De uma forma geral, as populações precisam pensar um pouco melhor em como consomem, no consumo mais responsável. Tanto na quantidade de carne que as pessoas se alimentam, tentar diminuir. Isso faz um efeito grande, porque quando você diminui o consumo por carne vermelha e também diminui essa demanda para a criação de gado.

 

Se a gente conseguir diminuir a emissão de gases de efeito estufa, vai diminuir aceleração do aumento da temperatura global média. Mantendo dentro daquele número de 1.5° centigrados, consegue minimizar muito os efeitos que a gente pode ter nesse cenário apocalíptico que eu pintei.

 

Então, se a gente conseguir ter mais incentivos para produção de alimento de baixo impacto ou que não geram tanta emissão de gases de efeito estufa, já pode ser uma consequência, mas precisa ser coordenado de uma forma institucional, pelo Estado, não dá para deixar só na conta individual de apagar uma lâmpada.

 

MidiaNews – O aquecimento global põe a sobrevivência da humanidade em risco?

 

Gustavo Canale – Com certeza. Durante muito tempo, usava-se essa expressão de que precisamos salvar o planeta, mas na verdade, fazendo a divulgação da informação mais correta, pensando que o planeta vai permanecer, talvez com modificações muito bruscas, inóspito para uma série de espécies além da nossa própria.

Esses impactos já estão sendo sentidos, porque a gente já observa uma quantidade grande de incêndios florestais em função das secas prolongadas.

 

Mas é muito provável que algumas espécies consigam se adaptar. O que temos visto é que nós podemos ter vários problemas, inclusive problemas do ponto de vista social, com grande migrações em massa de populações de regiões mais secas para outras e ai você tem uma série de conflitos, até mesmo o surgimento de potenciais grupos armados dessa população que está se deslocando. Isso em um cenário catastrófico.

 

O que a gente tem que fazer é tentar, sabendo que ainda é possível, controlar essa emissão de gás carbônico, metano que é gerado pela pecuária.

 

MidiaNews – Como enxerga a proposta do Governo de Mato Grosso de neutralizar as emissões de carbono até 2035?

 

Gustavo Canale – Não cheguei a ver a proposta em detalhe, mas a iniciativa acho muito boa. O simples fato do Governo do Estado trazer isso para a discussão é muito positivo. Agora a forma como isso vai ser feito e regulamentado é que precisa ser discutida com toda a sociedade, inclusive com povos indígenas, pensando também no papel das terras indígenas, dos agricultores familiares e para além dos efeitos que isso vai gerar no agronegócio.

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MidiaNews – Considera relevantes os encontros como a COP 26 que está acontecendo na Escócia?

 

Gustavo Canale – São fundamentais, porque são nesses encontros que os grandes líderes das nações negociam os termos para que as decisões sejam tomadas de comum acordo e os compromissos são firmados. Basta saber se para além dos compromissos no papel, os governos vão fazer isso na prática nos seus países e ai acho que é um pouco papel da sociedade cobrar que isso seja feito.

 

MidiaNews – Não acha que o tema aquecimento global ainda está muito distante do dia a dia das pessoas?

 

Gustavo Canale – Acho que se pegarmos em um período histórico, em questão de décadas, acredito que nos últimos 20, 30 anos essa conscientização melhorou, aumentou bastante. Hoje, por exemplo, qualquer liderança política tem que ter uma agenda ambiental, mesmo que ela não seja exatamente eficiente, essa pessoa vai ser cobrada para ter esse compromisso ambiental.

 

Acho que isso vem se tornando mais comum e isso começa a entrar no dia a dia das pessoas, porque elas entendem que isso realmente é um tema super importante. Hoje em dia, as questões ambientais estão extremamente associadas com a geopolítica, com as decisões em importar e exportar, os produtos que vão comprar e isso vai impactar profundamente a economia dos países e consequentemente isso impacta no cotidiano das pessoas, com a geração de empregos, para além dos consumos que elas vão fazer dos produtos.

 

MidiaNews – Como analisa a gestão do presidente Jair Bolsonaro em relação ao meio ambiente?

 

Gustavo Canale – Acho que a gente está vendo retrocessos ambientais muito grandes, percebe-se um aumento no desmatamento da Amazônia. A própria ausência do presidente na COP-26 é algo que é sentido pelos outros líderes e isso passa um sinal que não é positivo. Então, acredito que não temos muito o que comemorar e percebemos isso na saída do ministro Ricardo Sales em termos de gestão nesse governo em relação às questões ambientais.

 

Mayke Toscano/Secom-MT

Bombeiros - incendio Pantanal

Todo ano, no período de estiagem, Mato Grosso perde fauna e flora para os incêndios florestais

MidiaNews –Acredita que os países ricos devem ajudar os mais pobres nessa questão de neutralizar as emissões de carbono?

 

Gustavo Canale – Sim, sem dúvidas. Muitas vezes, vejo como uma falsa polêmica essa ideia que em geral as pessoas têm de que as críticas são feitas apenas ao Brasil e as questões da Amazônia. Na verdade, os países ricos também tem uma cobrança muito grande, Estados Unidos e China são os maiores emissores de gases de efeito estufa e eles têm sido cobrados por outras nações e tem tido sinalizações que, sem essas lideranças dos países ricos a gente vai ter muita dificuldade de resolver as questões, até porque quem compra os produtos exportados pelo Brasil também tem responsabilidade com a forma que eles são produzidos internamente, por isso é super importante.

 

Tem um dado que mostra que se o 1% mais rico do planeta diminuir o seu consumo, a gente consegue fazer com que os 50% mais pobres possam ainda consumir um pouco mais. Porque a gente tem que entender que uma família muito pobre acaba tendo um impacto ambiental menor do que uma que tem mais condição financeira, que tem um impacto maior por usar mais energia.

 

Então, com certeza, os países ricos têm um papel fundamental de liderança. A liderança que é cobrada do Brasil é porque realmente a Amazônia é um bioma fundamental para a manutenção do equilíbrio climático do planeta. Então, as duas coisas precisam ocorrer de forma simultânea. Os países industrializados precisam regulamentar indústrias para que tenham menor quantidade de emissão de gases de efeito estufa e o Brasil precisa, principalmente, controlar suas queimadas e criação de gado, que gera grande quantidade de metano.

 

MidiaNews –  O governador Mauro Mendes tem criticado o presidente francês, Emanuel Macro, por fazer constantes ataques às produções da soja brasileira. Para Macro, depender do produto brasileiro é “endossar o desmatamento da Amazônia”. O senhor concorda?

 

Gustavo Canale – Em termos de produção agropecuária, o Brasil vai ter sempre que se preocupar com o mercado externo e para onde ele está exportando com as legislações que são aprovadas fora do país. Então, independente da gente ter uma legislação nacional que rege como a gente faz o uso do espaço para produção da agropecuária ou o quanto a gente permite desmatamento ou o quanto permitimos a alteração da vegetação nativa e substituição por agropecuária, independente de tudo isso, o mercado externo é sensível a outras questões. O Brasil precisa ficar muito atento a essas sinalizações dos mercados externos para poder manter a sua balança comercial e exportação de uma forma que seja minimamente satisfatória.

 

Então, hoje em dia, vejo que é impensável essa produção agropecuária com visão de exportação nessa região de transição do cerrado e Amazônia sem ter o mínimo de responsabilidade ambiental. Os sinais que são emitidos externamente são de possibilidade de embargo aos produtos que não respeitam a legislação ambiental.

 

Para mim, tão rápido quanto estamos percebendo essas alterações climáticas tem sido essa resposta dos mercados internos na verificação de toda a cadeia produtiva para que ela tenha um responsabilidade socioambiental e ai sim esse produto possa ser comercializado externamente.

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Em 24 horas, temperatura despenca 17°C em Cuiabá e VG

Termômetros registraram de 41,8°C a 25°C

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Cuiabá registrou uma das variações de temperatura mais bruscas do ano entre esta segunda (6) e terça-feira (7). Após bater o recorde anual de calor com 41,8°C, a capital amanheceu com 25°C, uma diferença de quase 17°C em menos de 24 horas, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

De acordo com o instituto, a marca de 41,8°C foi registrada na tarde de segunda-feira e superou o recorde anterior, de 41,4°C, anotado no dia 3 de setembro. Com isso, Cuiabá segue como a cidade mais quente do país, segundo o ranking diário de temperaturas máximas divulgado pelo Inmet.

Na manhã desta terça-feira, os termômetros marcavam 25°C. A umidade relativa do ar estava em torno de 65%, valor bem acima dos 39% registrados no mesmo horário do dia anterior.

A mudança no tempo foi provocada pela chegada de uma massa de ar mais úmido e instável, que avançou sobre o Centro-Oeste após dias de forte calor e tempo seco. A variação trouxe alívio momentâneo para os moradores, mas o Inmet alerta que o calor intenso deve retornar nos próximos dias.

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A previsão indica que as temperaturas voltam a subir gradualmente ao longo da semana, podendo atingir novamente os 39°C no dia 11 de outubro. Com o retorno do calor, o alerta é para a baixa umidade e o risco de incêndios florestais, que voltam a crescer em áreas do Pantanal e no interior do estado. O Inmet recomenda atenção redobrada à hidratação e exposição solar prolongada.

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